Cobrança de Reforma ao Final da Locação: O que Diz a Lei do Inquilinato?
É comum que, ao final de um contrato de locação, as imobiliárias ou proprietários cobrem dos inquilinos valores referentes a reformas ou reparos no imóvel. Mas até onde essa cobrança é legítima? O locatário é obrigado a pintar o imóvel, trocar torneiras, arrumar boxes, consertar portas defeituosas ou resolver infiltrações antigas?
Dr. Uriel Monteiro Nascimento. Especialista em Direito Cível.
6/8/20253 min read


Cobrança de Reforma ao Final da Locação: O que Diz a Lei do Inquilinato?
É comum que, ao final de um contrato de locação, as imobiliárias ou proprietários cobrem dos inquilinos valores referentes a reformas ou reparos no imóvel. Mas até onde essa cobrança é legítima? O locatário é obrigado a pintar o imóvel, trocar torneiras, arrumar boxes, consertar portas defeituosas ou resolver infiltrações antigas?
Para responder a essas dúvidas, é essencial analisar o que estabelece a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), bem como a jurisprudência e a doutrina sobre o tema — e, principalmente, considerar um ponto muitas vezes negligenciado: a confiabilidade do laudo de vistoria de entrada.
O que diz a Lei do Inquilinato?
A Lei nº 8.245/91 determina que:
O locador deve entregar o imóvel em plenas condições de uso (art. 22, I);
O locatário deve devolvê-lo nas mesmas condições, salvo deteriorações decorrentes do uso normal (art. 23, III).
Ou seja, o inquilino não precisa devolver o imóvel como novo, mas sim da mesma forma que o recebeu, respeitando o desgaste natural pelo tempo.
O problema do laudo de vistoria “genérico”
Na prática, o laudo de vistoria de entrada — documento essencial para resguardar os direitos das partes — frequentemente omite defeitos já existentes no imóvel. Em muitos casos, o imóvel é entregue com infiltrações, pintura gasta, portas danificadas ou torneiras enferrujadas, mas o laudo descreve genericamente: "em bom estado de conservação".
Esse tipo de descrição genérica ou superficial pode ser usado indevidamente para justificar cobranças injustas ao final da locação, jogando sobre o inquilino a responsabilidade por problemas que já estavam presentes desde o início.
A jurisprudência tem reconhecido esse vício:
EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO DE LOCAÇÃO - ENTREGA DAS CHAVES - IMÓVEL COM AVARIAS - CONSTATADO NA VISTORIA INICIAL - VÍCIOS ANTERIORES À LOCAÇÃO - DEVER DE REPARAR - NÃO CONFIGURADO. No contrato de locação, não há dever de realizar reparos, quando da entrega do imóvel, se em bom estado não foi entregue ao locatário. In casu, a vistoria inicial indica as avarias do imóvel da lide, desobrigando assim, as apeladas do pagamento da quantia pleiteada na inicial.
(TJ-MG - AC: 10024112666227001 Belo Horizonte, Relator.: Alberto Henrique, Data de Julgamento: 17/11/2016, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/11/2016)
Em outras palavras: o ônus da prova é do locador. Se ele quer cobrar, deve provar que o dano foi causado pelo inquilino e que não existia antes da locação.
Desgaste natural x Dano provocado
É essencial distinguir:
Desgaste natural: desgaste por uso normal, como pintura esmaecida, ralos com sinais de tempo ou pequenas marcas em móveis embutidos;
Dano provocado: prejuízo causado por mau uso, como quebra de vidros, danos em pisos por objetos pesados, fiações expostas por intervenções indevidas.
Só o dano provocado é de responsabilidade do inquilino. O desgaste natural e vícios ocultos não devem ser cobrados — e, se não constam na vistoria de entrada, presume-se que já estavam presentes.
Pintura, torneiras, infiltrações... de quem é a obrigação?
Pintura: só deve ser cobrada se o imóvel foi entregue com pintura nova e devolvido em estado muito ruim. A pintura desgastada apenas pelo tempo não justifica cobrança.
Torneiras, boxes, portas antigas: são itens que, se entregues com defeito, não podem ser cobrados. O ideal é que o laudo contenha fotos e menção clara ao estado.
Infiltrações e problemas estruturais: são de responsabilidade exclusiva do locador, mesmo que apareçam durante a locação.
Cláusulas contratuais e abusividade
Alguns contratos impõem ao inquilino obrigações genéricas como "devolver o imóvel pintado" ou "realizar todos os reparos necessários", independentemente da vistoria. Essas cláusulas, se abusivas, podem ser anuladas judicialmente, especialmente se transferem ao inquilino obrigações do proprietário.
Dicas práticas: como se proteger
Exija laudo detalhado com fotos: recuse-se a assinar laudos genéricos. Solicite correções ou registre por e-mail.
Registre por conta própria: fotografe e grave vídeos no momento da entrada no imóvel, mesmo que o laudo já esteja pronto.
Conteste cobranças indevidas: se houver cobrança sem base objetiva, procure orientação jurídica. Muitas vezes, a simples ameaça de judicialização já resolve.
Conclusão
O inquilino não é obrigado a reformar o imóvel ao sair, a não ser que tenha causado danos reais, comprovados. A pintura obrigatória ou reparos de itens já defeituosos são ilegítimos, especialmente quando o laudo de entrada omite ou esconde o real estado do imóvel.
A responsabilidade por defeitos estruturais, vícios ocultos ou desgaste do tempo é do proprietário — e a jurisprudência tem protegido os inquilinos de abusos e cobranças indevidas, desde que possam provar sua boa-fé e documentar corretamente a locação.
Fique atento ao laudo de vistoria. Ele pode ser seu maior aliado — ou sua maior armadilha.